pense no seguinte cenário: em um determinado evento, uma festa, talvez um café ou um encontro na casa de uma amiga com outras amigas-de-amigas-em-conexão. você cruza o seu caminho com o de outras mulheres que, de alguma forma, te despertam admiração e curiosidade. o papo é rápido, mas algo do que foi dito, uma referência citada, uma ideia em concordância que foi compartilhada, te remete a um único pensamento: eu poderia ser ela. eu queria saber mais dela.
para mim, o livro de bernardine foi exatamente essa experiência. um convite a mergulhar em histórias, personalidades, crenças e jornadas que nos trazem ao momento do aqui e do agora. aquela sequência de pequenas tomadas de decisões, ou acessos a realidades possíveis, que nos trazem ao presente, a quem somos e a quem deixamos de ser.
entre cutucadas e socos no estômago sobre raça, interseccionalidade, relações e o feminismo que estamos construindo, Garota, mulher, outras é exatamente o que se propõe logo no título: um mergulho profundo que não tem só a ver com as palavras ditas (e sabiamente construídas pelo dinamismo da narrativa). tem a ver com estarmos todas aqui. juntas.
livros que li
No Enxame - Perspectivas do Digital, do Byung-Chul Han
segunda experiência com o ensaísta coreano radicado em Berlim. após “Sociedade do Cansaço”, embarquei em “No Enxame” porque constava na lista de leituras para um possível mestrado (que ficou para depois…)
grata surpresa! os livros do autor são conhecidos por sua síntese: sempre cirúgicos. ele aborda temas complexos de uma forma muito precisa e, nessa obra em específico, faz um passeio sobre os tropeços que o ser humano anda realizando à medida em que se enraíza no ciberespaço.
para quem já tem uma bagagem de leitura na área, pode parecer um tanto deslocado - já que tudo na internet é rápido e efêmero, levando em consideração que o livro foi publicado em 2018, muita água já rolou. mas me agrada a visão “holística” que o autor traz, sempre bebendo de fontes multidisciplinares para pensar o ser & o fazer digital. além disso, gosto de quando ele traz as referências de outros filósofos - me ajuda naquilo que a gente chama de “construção de repertório”. em resumo: leitura para acabar numa sentada, mas que você vai digerir por um tempo…
O Olho Mais Azul, da Toni Morrison
livro tristíssimo, e belíssimo na mesma medida. eu já cansei de falar da Toni Morrison para quem me pede dica de leituras que “marcam a vida”. não são narrativas fáceis, nem perto disso, mas são incrivelmente necessárias, poéticas e arrebatadoras.
nesse livro, acompanhamos a história de Pecola, uma criança negra que reza todas as noites para ter olhos azuis. ao longo de pouco mais de 200 páginas, vamos acompanhando a série de violências que Pecola sofre. mas não somente isso, somos apresentados à visão de Claudia, outra narradora da história. também uma menina negra, é Claudia quem nos traz o contraponto. ambas são meninas e negras; descobrem, ao mesmo tempo, as transformações da menstruação, mas reagem de forma diferente, por vezes antagônicas, às complexidades de seus mundos.
a narrativa de Morrison vagueia pelo tempo, explorando o passado e o presente das personagens, bem como o de todas as pessoas que um dia cruzaram os seus caminhos.
ao jogar luz nas experiências das duas meninas, Morrison, passeia pela realidade e o delírio, sem nunca delimitar tal espaço. mas uma coisa é trazida de forma clara: como resistir e refazer uma vida que seja merecedora de um olhar?
escrito entre 1965 e 1970, o livro não fez tanto sucesso na época, apesar de tratar de temas quentes em meio a um período de luta por direitos civis nos Estados Unidos. foi o primeiro livro da autora, mais tarde indicada ao Pulitzer e vencedora do Nobel, a primeira autora negra a receber o desejado prêmio.
sou suspeita para falar, mas Morrison me atravessa de uma forma diferente e é uma das escritas mais sábias e singelas que já tive contato.
“Em algum ponto entre a retina e o objeto, entre a visão e a vista, os olhos recuam, hesitam, pairam. Em algum ponto fixo no tempo e no espaço, ele sente que não precisa desperdiçar o esforço de um olhar. Não a vê, porque, para ele, não há nada a ver. Como é que um comerciante branco, imigrante, de 52 anos, com gosto de batatas e cerveja na boca, a mente adestrada na Virgem Maria de olhos meigos, a sensibilidade embotada por uma permanente consciência de perda, pode ver uma menina negra? Nada em sua vida nunca sequer sugeriu que a proeza fosse possível, que dirá desejável ou necessária.”
"Entraram devagar na vida pela porta dos fundos. Transformaram-se. Todo mundo podia lhes dar ordens. As mulheres brancas diziam ‘Faça isso’. As crianças brancas diziam ‘Me dá aquilo’. Os homens brancos diziam ‘Venha cá’. Os homens negros diziam ‘Deita’. As únicas pessoas de quem não precisavam receber ordens eram as crianças e as outras mulheres negras. Mas elas pegaram tudo isso e recriaram à sua própria imagem. Administravam a casa dos brancos, e sabiam disso. Quando os brancos espancavam os seus homens, elas limpavam o sangue e iam para casa receber os maus-tratos da vítima. Batiam nos filhos com uma mão e com a outra roubavam para eles. As mãos que cortavam árvores também cortavam cordões umbilicais; as mãos que torciam o pescoço de galinhas e abatiam porcos também cuidavam de violetas africanas até que florissem; os braços que carregavam feixes, fardos e sacos também embalavam bebês. Elas moldavam biscoitos farinhentos em ovais de inocência — e amortalhavam os mortos. Aravam o dia inteiro e iam para casa se aninhar sob os membros de seus homens. As pernas que cavalgavam o dorso de uma mula eram as mesmas que cavalgavam os quadris de seus homens. E a diferença era toda diferença do mundo.”
links que salvei
esse artigo sobre a ciência por trás da nossa intuição
essa matéria sobre as telas aflitas de van gogh
essa reportagem sobre erros que continuamos a cometer na pandemia
esse causo curioso sobre um cara que se passou por brad pitt por horas no clubhouse
um desejo: conhecer esse airbnb em salvador
outro desejo: ter uma ilustra dessa para chamar de minha
até a próxima!
💋bia