Brasil: Uma biografia - Introdução
se você não puder ler mais nada do livro, por favor, leia a introdução

boa tarde pessoal, como estão? todos bem em casa? espero que sim.
começamos oficialmente a nossa leitura de “Brasil: Uma biografia”. nessa newsletter introdutória, vamos conversar um pouco sobre o ensaio “O Brasil fica bem perto daqui”, texto que abre o livro, e vamos trocar alguns links e recs para complementar a nossa leitura.
resolvi mandar esse email hoje, apesar de saber que combinamos que as quartas-feiras é o nosso dia oficial de newsletter. mas a ideia é que na próxima news eu já consiga trazer o conteúdo dos capítulos. então, vamos considerar o conteúdo de hoje como um “plus” essa semana, bele?
bom, é isso.
obrigada por toparem essa empreitada ✨
O Brasil fica bem perto daqui
o parágrafo que abre a introdução é um trecho-desabafo de Lima Barreto, jornalista, ensaísta e autor de diversas crônicas sobre o Brasil. o carioca foi um dos poucos escritores brasileiros a se definir como negro, a si e à sua literatura, mesmo vivendo em um país cujo censo indica uma ampla maioria de pretos e mestiços.
gosto do trecho escolhido pelas autoras porque sintetiza a minha sensação diante da leitura da obra e a nossa realidade atual:
“livre! livre! julgava que podíamos fazer tudo o que quiséssemos, que dali em diante não havia mais limitação aos progressistas da nossa fantasia […] mas como ainda estamos longe disso! como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis.”
nas palavras de Lima Barreto, reina a ilusória sensação de euforia do menino de 7 anos ao ser avisado de que “não existem mais escravos no Brasil”. mas quem escreve aquelas palavras já é um Lima Barreto mais maduro e que não deixa de transparecer o seu ceticismo ao revisitar as suas próprias memórias sobre o que significou a Lei Áurea no país. detalhe: estamos falando de escritos de 1900. corta para 2020.
quantas vezes essa bia que vos escreve já pensou que certos temas já seriam consensos na nossa sociedade e, cinco minutos depois, se frustrou porque percebeu que não há consenso sobre nada disso? a última semana foi marcada pelo retorno do movimento #blacklivesmatter e, mais uma vez, fomos obrigados a enxergar as estruturas que compõe a nossa realidade. e o texto de Schwarcz e Starling não me parece ser nada aleatório nesse momento.
em cerca de 10 páginas, as autoras revelam algumas das características persistentes de nossa história e nos convidam a acompanhar manifestações por vezes inconclusas de nossa formação. a primeira, segundo elas, é a nossa “difícil e tortuosa construção de cidadania”.
para isso, as autoras usam como exemplo a própria Lei Áurea que, resultado de um ato do governo, mas, sobretudo, resultado de uma pressão popular e civil, foi “pouco ambiciosa” e incapaz de prever a inserção daqueles que os direitos não eram ouvidos. Lima Barreto também escreveu: é a lei que aboliu a nossa escravidão e que, depois, foi alvo de reveses políticos e sociais, e que também começou a desenhar o nosso projeto de cidadania inconclusa, uma república de valores falhados.
em outro trecho, também de Barreto e citado pelas autoras, elas se debruçam por essa nossa “mania nacional de procurar pelo milagre do dia, pelo imprevisto salvador” que recebe o nome de bovarismo, e se torna um conceito, a partir da análise de Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil”.
o termo tem origem na personagem francesa Madame Bovary e remete a essa alteração do sentido de realidade, “quando uma pessoa se considera outra, que não é”.
agora direcione isso para toda uma comunidade que se enxerga sempre diferente daquilo que é, e aguarda, com uma enorme paciência, algo inesperado que altere essa tal realidade. é o bovarismo que, segundo as autoras, nos permite recriar um país e imaginar o Brasil diferente do que é — já que a nossa realidade não nos satisfaz, e nos sentimos impotentes para modificá-las, nos deleitamos com essa prolongada ironia.
ao lado do bovarismo, somos apresentados a outro conceito-formador, o familismo, ou o nosso costume de tornar questões públicas em questões privadas. ainda citando Holanda, somos lembrados de que, no Brasil, tudo passa pela esfera da intimidade “num impressionante descompromisso com a ideia de bem público e numa clara aversão às esferas oficiais de poder”.
enfim, são muitas as frases boas desse texto introdutório, mas escolhi falar sobre esses 3 pontos por aqui porque eles tocam naquilo que considero de mais importante do livro: revisitar esse conceito de “homem cordial” e “democracia racial” que escolhemos acreditar.
se você não puder ler mais nada do livro, se faça o favor de ler o artigo introdutório e pensar sobre ele. vale a pena, mas tenham em mente:
“o Brasil arromba todas as concepções que a gente faça dele.”
links complementares
um texto da Lilia Moritz Schwarcz sobre o Lima Barreto: 13 de maio: “Liberdade, hoje é seu dia”
essa entrevista super recente da Lilia Moritz Schwarcz sobre o mito do brasileiro cordial
a crítica do Laurentino Gomes sobre o livro
essa série de vídeos da Companhia das Letras que promove o diálogo entre as autoras sobre os conceitos abordados no livro
é isso!
nos vemos em breve e, caso queiram conversar, essa caixa de emails e comentários vai estar sempre aberta
💋 bia