Brasil: Uma biografia - Capítulo 3
toma lá dá cá: o sistema escravocrata e a naturalização da violência

oi gente, como estamos?
por aqui, o ritmo de leitura caiu nos últimos dias e quase quase essa newsletter de hoje não sai. como é díficil, né, manter a constância? a verdade é que eu sabia que ia ser um desafio - e por isso me propus fazer esse compromisso público com vocês.
diversas vezes comecei alguma leitura ou projeto super empolgada, mas passada a euforia, eu ia deixando de fazer pelo caminho… normal, aliás, as exceções são as coisas que conseguimos realizar. daí a sensação de “conquista” a cada capítulo finalizado. a cada livro lido. a cada newsletter enviada. enfim, insira aqui qualquer atividade que exija comprometimento + consistência e que, muitas vezes, tendemos a deixar pela metade.
sobre isso, gosto de trabalhar com a estratégia de redução de danos: 50% é melhor que nada. faltou empolgação ou criatividade? ok, diminui o número de páginas lidas, atrasa o horário de envio da newsletter, se permite pequenas “concessões” que aliviem o peso do “ter-que-fazer”, mas não deixa de lado a atividade. nada mais gostoso do que se sentir em dia com os seus compromissos - sejam aqueles pessoais ou profissionais - e conseguir perceber o valor de se dedicar a estudar, ampliar as referências, fazer algo diferente, ainda que exija algum esforço.
enfim, falei demais, mas vocês sabem que eu adoro esses papos.
e vamos às conversas do nosso terceiro capítulo.
qualquer dúvida ou sugestão, por favor, me escrevam :)
O tráfico de viventes
esse foi um dos capítulos mais dificeís, mas mais importantes, da minha leitura até agora. também pudera, as autoras se dedicam a fazer um raio-x de como se constituiu o nosso sistema escravocrata. e aqui, a primeira parte do capítulo cumpriu uma função primordial para mim: lembrar que a escravidão de homens por outros homens sempre existiu, desde a nossa antiguidade, por mais irracional que isso pareça. o que estreamos no modelo Brasil, contudo, é algo ainda mais absurdo - foi a falta de raízes, de direitos e de laços, configurados pelo tom de pele, que tornaram a escravidão a ferramenta mais eficaz de implementação e manutenção do racismo.
também me chamou a atenção os números por elas citados: estima-se que 11 milhões de pessoas, de individuos, de pais, mães, irmãos, avós, enfim, de africanos, foram vendidos de forma coercitiva. onze milhões. quase seis vezes a população atual de Salvador, a nossa Roma negra. desse total, quase metade, cerca de 5 milhões, foram escravos comercializados pelo tráfico negreiro que tiveram como destino final o Brasil.
ao longo das páginas, as autoras descrevem como esse sistema funcionava em seus detalhes. desde a participação das elites e negociantes africanos no tráfico de pessoas, até como eram realizados o transportes dos “viventes” nos porões e como cada escravo era avaliado, apalpado e analisado, uma vez que se tornavam “produtos à venda” quando chegavam na Colônia.
são descrições violentas, por vezes incômodas, e é impossível não se deixar afetar pelas imagens, apesar de todo o distanciamento da nossa leitura.

“um sistema como o escravismo moderno só se enraíza com o exercicio da violência. da parte dos proprietários, a sanha contínua que visava a sujeição e obediência. da parte dos escravos, a reação se dava a partir de gradações que iam das pequenas insubordinações diárias e persistentes até as grandes revoltas e quilombos.
[…]
era difícil escapar da escravidão. aliás, no caso brasileiro ela tomou o território todo, e foi responsável pela maior importação forçada de trabalhadores africanos até hoje conhecida, e, de tão disseminada, a instituição deixou de ser privilégio de grandes senhores de engenho. padres, militares, funcionários públicos, artesãos e até libertos possuíam escravos. por essas e por outras é que a escravidão foi mais que um sistema econômico: ela mostou condutas, definiu desigualdades sociais, fez da raça e cor marcadores de diferença fundamentais, ordenou etiquetas de mando e obediência e criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e por uma hierarquia estrita.”
Rebeliões, insurreições e movimentos escravos
não é exagero quando o movimento negro cita que os pretos no Brasil resistem há 500 anos. e é muita miopia por parte dos brancos acreditar que os escravizados não resistiram a tanto sofrimento.
a esperança era pouca, e a violência muita. mas para fugir da condição de “produto”, os escravizados procuraram brechas nesse sistema para recriar suas culturas, incentivar os seus desejos e sonhar com a liberdade e a reação.
não é à toa que o Quilombo de Palmares segue sendo símbolo de toda essa resistência. Palmares foi, no Brasil, um pequeno Estado africano que abrigou a vida comunitária e era politicamente organizado: tinha administração e leis próprias e princípios religiosos e culturais que fortaleciam a identidade coletiva. no ápice de seu crescimento, Palmares chegou a abrigar 20 mil habitantes e mantinha relações de comércio com as vilas vizinhas.
não tardou para que o quilombo chamasse atenção da Corte. a primeira expedição contra Palmares aconteceu em 1612, e a última, quando Zumbi foi derrotado, em 1694. foi quase um século de resistência, e muito a ser aprendido por sua história que merece um livro à parte.

Salve! Região dos valentes
Onde os ecos estridentes
Mandam aos plainos trementes
Os gritos do caçador!
E ao longe os latidos soam...
E as trompas da caça atroam...
E os corvos negros revoam
Sobre o campo abrasador!...Palmares! a ti meu grito!
A ti, barca de granito,
Que no soçobro infinito
Abriste a vela ao trovão.
E provocaste a rajada,
Solta a flâmula agitada
Aos uivos da marujada
Nas ondas da escravidão!De bravos soberbo estádio,
Das liberdades paládio,
Pegaste o punho do gládio,
E olhaste rindo p'ra o val:
"Descei de cada horizonte...
Senhores! Eis-me de fronte!"
E riste... O riso de um monte!
E a ironia... de um chacal!...(Castro Alves, Saudação a Palmares)
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hoje, a recomendação é só uma: escutem essa entrevista.
para quem não assistiu, aqui está a entrevista do Silvio Almeida, autor de diversas obras sobre filosofia, racismo e consciência de classe, que rolou no Roda Viva essa semana
até a próxima,
💋 bia
cada semana melhor 🥰 obrigadaaaa Bia