ana beatriz rosa

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Brasil: Uma biografia - Capítulo 1

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Brasil: Uma biografia - Capítulo 1

primeiro veio o nome, depois uma terra chamada Brasil

ana beatriz rosa
Jun 10, 2020
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Brasil: Uma biografia - Capítulo 1

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bom dia moçada, como estamos?

conseguimos avançar na leitura? imagino que cada um esteja em um ritmo, mas a ideia da newsletter é justamente essa: incentivar a realizar essa empreitada para, em breve, nos encontrarmos na sala mais próxima do Zoom para um bate-papo sobre as nossas percepções.

por aqui, sigo na missão de oferecer um “incentivo” para vocês não desanimarem de pensar o Brasil, apesar das complexidades&crises.

na newsletter de hoje, o mesmo formatinho que vocês já conhecem. primeiro, conversamos sobre o capítulo em análise. depois, alargamos o nosso repertório com uma listinha de referências.

aliás, quem encontrar material bom por aí sobre o livro e os temas, não esquece de compartilhar comigo, bele?

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fiquem bem ✨


Das vicissitudes de um mundo novo, novo

Terra Brasilis, mapa desenhado sob pergaminho, 1515 - 1519

“Difícil imaginar o impacto e o significado da “descoberta de um Novo Mundo. Novo, porque ausente dos mapas europeus; novo, porque repleto de animais e plantas desconhecidos; novo, porque povoado por homens estranhos, que praticavam a poligamia, andavam nus e tinham por costume fazer a guerra e comer uns aos outros.”

e é assim que somos convidados a embarcar nos detalhes da “descoberta” do Brasil. lembro de estudar o período da colonização na escola e, já naquele tempo, problematizavámos o termo do descobrimento por conta da completa anulação daqueles que aqui já viviam. bonito no discurso provocar a reflexão, mas fato é que nunca entendemos aqueles que aqui habitavam e habitam como parte ocupante, de fato, de nossas terras.

o Brasil pré-Cabral já era constituído por núcleos diversos de grupos índigenas que se distinguam, sobretudo, por conta de suas línguas e especificidades culturais. a partir da chegada dos europeus, toda essa nuance, por ser nova e diferente, passou a ser registrada como “falta”. nas descrições e representações visuais da época, vingou o imaginário dos homens nus e bárbaros e, em paralelo, as naus civilizatórias enviadas do velho continente, seja em forma de cruz ou espada.

no primeiro capítulo, as autoras trazem relatos dos exploradores em suas missões, como Cristovão Colombo, Américo Vespúcio e, mais tarde, Pedro Álvares Cabral, em suas primeiras viagens a América. os registros da época refletem o dilema da notícia de um novo mundo de terras paradísiacas, mas apoiadas em práticas muito distantes dos valores da humanidade ocidental. logo ficou claro para a Coroa portuguesa a necessidade de escravizar esses canibais.

mas se fizermos um exercício de empatia, por aqui, é quase ingênuo imaginar a euforia desses “descobridores” ao se depararem com a realidade da existência de outros mundos além-mar. e não é pouca coisa perceber que foram essas, as grandes navegações, que abriram um novo capítulo da história do mundo para a tal da modernidade.

se o tom geral das crônicas de viajantes enraizava a ideia de necessidade de um novo sentido para essas terras e habitantes, como veremos ao longo das páginas, não foram poucos os momentos que a “narrativa oficial” foi alterada pela participação dos próprios personagens.

As terras descobertas e por descobrir

a primeira parte do capítulo traz detalhes interessantes sobre a empreitada expansionista de Portugal e Espanha.

foi importante para mim relembrar os “périplos africanos” e as ambições comerciais da época. as autoras revisitam também momentos históricos já conhecidos, como a assinatura do Tratado de Tordesilhas, o acordo que dividia as terras “descobertas e por descobrir” entre os países europeus. depois, somos apresentados aos motivos um tanto cinzentos para a escolha de Cabral como o responsável pela missão à Índia, uma vez que ele não possuia grande experiência como navegador. as autoras também trazem detalhes específicos sobre esses acordos com a Coroa — em troca de trazer notícias da rota, Cabral recebeu 10 mil cruzados e o direito de comprar 30 toneladas de pimenta e outras 10 caixas de qualquer especiaria para revendê-las na Europa, livre de impostos.

depois, conhecemos mais a fundo a rotina e os desafios dos homens que embarcavam nas naus, verdadeiras “cidadelas flutuantes”. o mais grave deles era a escassez de comida. para além da fome, os problemas de higiene formavam o ambiente perfeito para a proliferação das doenças da época.

Os relatos de Caminha

são as descrições de Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Cabral, registradas na “carta” ao rei de portugal que compõe, de certa forma, uma espécie de certidão de nascimento do Brasil. e são essas mesmas descrições que criaram a ideia, ainda hoje presente na nossa memória, de um “encontro pacífico” entre os portugueses e os índios, alicerçada na imagem do “bom selvagem”.

deslumbrado com tudo o que via, as descrições de Caminha, segundo as autoras, também inauguraram um outro mito recorrente de uma conquista sem violência, uma espécie de comunhão que unificou todos esses homens sob a mesma religião e que, mais tarde, definiria o Brasil como um país em que reina a ausência de conflitos. como se as terras tropicais, por algum milagre, tivessem o poder de inibir guerras, enquanto na Europa as lutas dividiam e acabavam com as nações.

Americae Tertia Pars, Cenas de Antropofagia no Brasil, 1596

A “guerra justa”

até hoje, não se sabe ao certo a antiguidade dos povos que ocupavam o “novo mundo”. fato é que eram populações estimadas na casa dos milhões e que, apartir do encontro com os portugueses, foram sendo reduzidas. hoje, segundo o IBGE, o Brasil tem 896 mil indígenas, em que 57,7% vivem em terras oficialmente reconhecidas e outros 36,2% vivem em centros urbanos.

sabemos que a colonização levou a exploração dessa mão de obra, mas pouco estudamos sobre a resistência e as guerras que, se já existiam internamente, passaram a ser provocadas também contra os colonos. outro detalhe, ainda, foi a divisão desses povos entre “índios amigos” e “gentios hostis”. para se tornarem amigos, o índios eram deslocados de suas aldeias no interior para viverem nas povoações portuguesas e, depois, catequizados e transformados em “vassalos úteis”. os que recusavam à conversão eram os índios inimigos, que viviam espalhados pelos sertões.

em resumo: levar a sério a presença dos grupos que já viviam na América antes da chegada dos portugueses implica em não só pensar a história sobre outro termos, mas também entender que existem outras formas de compreensão “dessa terra que virou Brasil” e que, nem sempre, ela passa pelo olhar eurocêntrico.

“‘Sertão’ é o termo já usado por Caminha, denotando o vasto e desconhecido território interior da colônia, longe do mar. A partir do século XV, com a expansão da colônia, a palavra passou a nomear espaços sobre os quais pouco ou nada se sabe. Com o tempo, porém, a nomenclatura demarcaria um espaço simbólico, mais que um lugar geográfico. ‘Povoado’ era a região ordenada pela igreja católica, ‘sertão’ era o local da falta e da ausência de ordem.”

aqui, termino com uma frase que gosto muito, do Guimarães Rosa, e que ajuda a gente a pensar sobre tudo isso: “Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar. Viver é muito perigoso.”


Links que você também pode gostar:

  • no primeiro capítulo, as autoras trazem relatos sobre a descrição do Brasil na época da colonização. elas citam diversos artistas e autores que, por meio de relatos, produziram imagens sobre o Novo Mundo. um deles, o ourives e ilustrador frânces Théodore de Bry, jamais esteve na América e, ainda assim, se tornou um dos mais famosos retratistas da época. “O que a vista não enxergava a imaginação desenhava”. Aqui, um pouco mais sobre a vida e a obra desse homem responsável pelas publicações dos relatos da expansão europeia.

  • aliás, vale fuçar todo o site: “O projeto Brasiliana Iconográfica propõe-se reunir em um mesmo portal web fontes iconográficas – desenhos, aquarelas, pinturas, gravuras e impressos – dispersas por coleções públicas e privadas no Brasil e no exterior, tornando-as acessíveis à consulta virtual de um público amplo e internacional.”

  • e se você ainda não leu ou ouviu nada sobre Ailton Krenak, uma das principais lideranças índigenas atuais, além de ter livros muito interessantes, sugiro esse vídeo dele com o neurocientista Sidarta Ribeiro. a dupla propõe uma reflexão dos nossos dias atuais. vale a pena!

é isso. até a próxima,

💋 bia

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