olá, pessoal! como estamos por aí?
a leitura de hoje é um livro que eu não teria acesso, não fosse a indicação da Paula, do @queromorarnumalivraria. acho engraçado como a literatura é esse bichinho que vai passando de uma mão à outra, e deixando registros e memórias em quem tem contato com as narrativas.
para mim, participar de um clube do livro, e consumir conteúdos online sobre literatura, tem esse poder de ampliar as minhas referências e expandir o meu acesso à obras que vão além das prateleiras do “mais vendidos”, ainda que a minha curadoria aqui do #lendojunto passe por sucessos literários e também textos poucos conhecidos.
mas vamos ao que interessa: as minhas percepções sobre “A Cabana do Pai Tomás”.
Pode um livro causar uma Guerra?

talvez você reconheça o título, como aconteceu com o meu pai, que disse ter assistido a uma novela de mesmo nome. ou talvez você conheça a narrativa adaptada para literatura infantojuvenil, para o teatro e para o cinema. não importa. publicado em 1852, o romance da americana Harriet Beecher Stowe (1811-1896) é considerado um dos maiores fenômenos literários do século XIX.
o texto original foi compartilhado em formato de panfletos em uma revista abolicionista da época, e a narrativa causou tanto furor nos Estados Unidos e na Inglaterra, principalmente, que os historiadores apontam a obra como um dos gatilhos para a Guerra Civil Americana (1861-1865). mas pode um livro causar uma guerra?
não sei. só sei que não é preciso fazer muito esforço para imaginar o que leitura de “A Cabana do Pai Tomás” significou no contexto da escravidão americana.
a história acompanha a vida de um escravo, o Pai Tomás, muito querido por seus senhores e por seus pares. também acompanhamos a trajetória da escrava Elisa e sua família que fogem das fazendas do Sul em busca da tão sonhada liberdade no Canadá.
o enredo, que mistura cenas trágicas e cômicas, não economiza esforços para despertar emoções - muitas vezes, o narrador se dirige diretamente ao leitor e a sensação é de que você está lendo/ouvindo comentários de bastidores enquanto a produção principal segue seu curso.
o texto também é recheado de orações e citações biblícas - aliás, na época, o livro se tornou o número dois da cabeceira das famílias abolicionistas, bem ao lado do texto cristão. e todo esse fervor religioso pode deixar a leitura um tanto cansativa, mas vale a pena a insistência e o exercício de alteridade para compreendermos a época e as disputas em vigor.
para além da sinopse e do texto em si, me chamou a atenção o quão simbólica a obra se tornou. escrita por uma mulher, a autora chegou a receber o presidente americano Abraham Lincoln em sua casa, do qual ouviu a seguinte consideração: "Foi a senhora que, com seu livro, causou essa grande guerra" [a guerra entre o Sul e o Norte dos EUA].
também, o enredo, claramente abolicionista, não passa a mão na cabeça de ninguém. um dos principais personagens resume um tipo tão presente nos dias atuais quanto nos tempos da escravidão: aquele que reclama, aponta e se diz contra as opressões estruturais, mas é conivente com o sistema quando a transformação lhe exige mais do que reconhecer os seus próprios privilégios.
e as polêmicas do livro, que se tornou uma ferramenta para despertar a consciência de homens e mulheres americanas, não param por aí.
A Cabana do Pai Tomás foi apontado como uma obra racista lá pelos anos 60, uma vez que foi lido como uma obra que perpetuava a subserviência e o mito do “negro bom”. a razão da crítica se dá, justamente, por conta da construção do personagem principal: Pai Tomás é um escravo cristão que tudo aguenta, e nada o revolta, pois crê na palavra e no destino de Deus - um mártir da sua causa, dócil e piedoso, bem distante da sede que o movimento negro dos anos 60 tinha por se reconhecer em líder forte e revoltoso.
eu gostei muito dessa leitura, e indico os textos de apoio sobre a obra.
até a próxima newsletter!
💋bia